20 novembro, 2010

A miopia da "opinião pública"

Faço três apontamentos acerca da polêmica causada pela malograda opinião de Luiz Carlos Prates, da TV RBS de Santa Catarina, sobre os acidentes de trânsito.

Primeiro: a infelicidade do comentário reflete um contexto muito mais amplo da grande imprensa brasileira: um generalizado despreparo (técnico e intelectual) para abordar temas que exigem pensamento interdisciplinar e complexo. Para além de “crucificar” o comentário raivoso e anti-republicano do jornalista, é preciso criar espaços na mídia para que atores sociais intervenham na esfera pública com o objetivo de esclarecer e mostrar soluções para problemas públicos. O que conta na mídia, em diversos casos, não é o mérito, mas o prestígio social do(a) jornalista. Um caso recente desse despreparo é o programa Roda Viva (vide entrevista com José Dirceu), que perdeu completamente a credibilidade, ao convidar, entre outros igualmente despreparados, uma jornalista especializada na vida íntima das celebridades para ser a apresentadora. Kennedy Alencar, por exemplo, é um nome mais indicado para ocupar essa cadeira.

Segundo: a ironia dos adeptos do liberalismo econômico. É facilmente identificável os (pequenos) interesses de classe que expressam a opinião fragmentada dos formadores de opinião da grande mídia. A repercussão de repúdio que assistimos se deve a enorme diferenciação social que ocorreu no capitalismo pós-guerra. Especialmente, a magnitude da ampliação dos setores médios, que torna mais complexa a oposição inicial entre capitalistas e proletários. O que vimos, portanto, foi um conflito interno à própria classe média, cada vez mais numerosa e ambígua. Formadores de opinião, insisto, precisam ter visão de conjuntura.

Historicamente, os ideólogos da direita sempre foram favoráveis a auto-regulamentação da sociedade pelo mercado, ou seja, que o Estado anule, a qualquer custo, a cobrança de impostos prejudiciais a livre circulação de mercadorias. Ora, o que se espera dos defensores da não intervenção estatal no mercado é coerência. E com isso não estou também defendendo o governo. O referido opiniático pertence a uma classe alta que está hierarquicamente abaixo dos grandes capitalistas. Para esses, a ampliação do consumo de automóveis é benéfica (e para os trabalhadores das fábricas também, mesmo que por um prazo determinado, até que o mercado se reestruture novamente).

Terceiro: nesse sentido, o problema dos automóveis no espaço urbano existe, sim. Porém, é incorreto dizer que os acidentes e mortes no trânsito decorrem desse fato extremamente recente (a ampliação do crédito e a redução dos impostos dos automóveis e eletrodomésticos em geral). O jornalista se precipitou, pois precisaria provar empiricamente comparando variáveis de renda, escolaridade e acidentes de trânsito. A indústria automobilística e o “sonho" do carro próprio irão enfrentar barreiras intransponíveis em curto prazo, que só o investimento e a modernização do transporte público poderão resolver. Por isso, discordo tanto de Luiz Carlos Prates quanto de quem se considera otimista com a expansão do acesso ao automóvel (não vamos nos enganar, pois o automóvel continua sendo restrito a uma minoria). Não pelo direito, em si, de cada cidadão ter seu automóvel, mas pelas conseqüências concretas desse para a coletividade, seja motorista ou pedestre.

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