18 março, 2011

Apanhador Só

A tentativa de compreender sociologicamente a visibilidade da banda de rock gaúcha Apanhador Só é o que motiva este curto depoimento-analítico. Para tanto, a ideia é retroceder um pouco no tempo e descrever um pouco da gênese, antes mesmo das formações iniciais da mesma. Adoto essa perspectiva devido a condição de amizade que mantenho com seu vocalista, Alexandre, desde os 11 anos de idade (daí chamar depoimento), ao mesmo tempo em que busco um distanciamento crítico com o intuito de transcender tal ligação e oferecer uma leitura mais distanciada sobre o porque essa banda, como aliás, grande parte das bandas, não surgem de um "toque de mágica" ou do puro acaso.

Não pretendo esgotar a explicação sobre o fenômeno, até porque os próprios integrantes, amigos e observadores mais próximos, em outra ocasião, poderão fazer com muito mais riqueza e propriedade do que eu. O que importa, aqui, é, precisamente, entender como o processo de gestação do grupo dependeu de um tipo de capital particular, o cultural. Uma banda que seja digna desse nome, necessita de integrantes que tenham investido certo tempo em leitura, música, etc., muito antes de necessitar de capital econômico para voos mais altos.

O certo é que se trata de um fazer artesanal, repleto de incertezas, avesso a fórmulas prontas, que depende de uma delicada confluência de elementos favoráveis. Sem dúvida, o surgimento de bandas é um tipo de demanda que surge nos poros da vida social e cultural, muito distinto de uma exigência formal da sociedade, como são, aliás, as profissões institucionalizadas. É, portanto, dessas idas e vindas, feita de emoções e coragem, que a identificação da banda com seu público se manifesta. A curiosidade reside muito mais nesta fase genuína, do que na exploração comercial típico da "indústria cultural", quando as canções alcançam um público mais amplo, descontextualizando a origem das mesmas.

É puramente com base no vocalista da Apanhador que eu tiro minhas impressões. Reconheço que o fato de centrar meu texto no Alexandre limita uma reflexão mais abranjente. A omissão de outras contribuições decisivas fica por conta das minhas ignorâncias. Portanto, espero não cometer nenhuma injustiça com os demais integrantes do grupo.

A música entrou na jogada bem no início, um pouco depois de conhecê-lo, ainda na 5ª série. Meu irmão Marcelo Noah era, na época, um dedicado estudante de violão e isso despertou a curiosidade do Alexandre que passou a fazer aulas com Noah. Importante também era o incentivo que o Americano prestava à música, através de dois festivais que incentivava a formação de bandas entre os estudantes: o Bio in Concert - para os "mais velhos" do ensino médio - e o Poa in Concert, para os menores. Na sexta série, participamos do festival com uma versão modificada da música "Uma Brasileira" do Paralamas do Sucesso. A tentação de dizer que vencemos é grande, mas a verdade é que ficamos em segundo lugar. Dessa ocasião guardo boas lembranças, a primeira e última vez que arrisquei algumas notas em um palco.

A leitura que "fazia nossa cabeça", na época, estava na literatura do Pedro Bandeira, por indicação do Alexandre. Quem o leu vai entender as molecagens que fazíamos como as citadas a seguir. Ironicamente, já na faculdade, descobri que Pedro Bandeira é sociólogo como eu. Nem preciso dizer que seus livros eram críticos à sociedade, mas com muita ação que impedia o leitor de ficar entediado. Não demorou e Chico Buarque veio com tudo na vida do Kumpinski (na minha vida, um pouco depois, já no ensino médio), assim como tantos outros, tais como: Paralamas, Barão Vermelho, Beatles, Los Hermanos. No final do ensino fundamental, ele já arriscava alguns escritos (lembro vagamente de um conto sobre um prédio abandonado onde havia uma escada que pingava água).

O que guardo com maior entusiasmo do período entre meus 12 e 15 anos eram as encrencas em que nos metíamos. Jogar papel higiênico de cima do edifício, sementes em cima dos carros, inventar códigos escritos para se comunicar e andar de rolimã eram nossas ações de guerrilha urbana. Sabíamos que somente a criatividade poderia nos salvar do marasmo dos anos 90, de indivíduos hostis e atomizados agindo em bandos delinquentes. Nessa época descobri a Osvaldo Aranha, o sarau elétrico no Ocidente e tivemos a sorte de assistir ao excelente filme "The man who wasn't there" (2001), num cinema de rua cujo nome não consigo recordar e que logo depois fechou definitivamente as portas. O Alexandre já conhecia bem as ruas do Bom Fim, destemido, enquanto eu o acompanhava imerso em meu ingênuo imaginário social, repleto de monstros e medos.

Olho em perspectiva e não lembro de ter conhecido uma personalidade tão marcante quanto a do Alexandre. Centrado, racional e moderado. Sabe simplificar as coisas e vive tranquilamente, de forma sustentável, talvez por herança do sangue bugre que o habita. Como amigo, agora digo: tenho convicção de que terá pleno êxito na carreira, para não usar a palavra sucesso. O sucesso remete a uma posição desconfortável, de ser percebido em qualquer lugar e não ter sossego.

Para o depoimento não se alongar demasiado, arrisco dizer que a Apanhador Só trouxe um reavivamento cultural e simbólico de uma geração que passa a ter voz neste momento e que eram crianças na década de 1990. Expressa isso com talento, é claro, como também valorizando a matéria orgânica do que foi experimentado e vivenciado por todos seus integrantes. Talvez esse elementos ajudem a explicar sociologicamente a identificação por parte do público.

Texto dedicado ao Alexandre, aniversariante de hoje. Parabéns!

*Quem ainda não escutou os Apanhadores, baixe álbum completo em: http://www.apanhadorso.com/

29 janeiro, 2011

Lição de Bourdieu

Em algumas pessoas, notadamente entre aquelas menos reflexivas, o que não significa necessariamente menos escolarizadas, as estruturas sociais atuam com maior força e intensidade, produzindo o que Pierre Bourdieu chamou de "violência simbólica". Essa violência, muito particular, seria aquela que legitima as desigualdades sociais, porque encontra adesão dos próprios indivíduos que deveriam combatê-la, as vítimas.