23 agosto, 2009

Vitória do melhor argumento em Porto Alegre

Com ampla maioria (18.212 votos), o "não" venceu, hoje, a consulta pública sobre o Pontal do Estaleiro. A consulta decidiu que, no Pontal do Estaleiro (localizado na orla do Guaíba), não poderão ser construídas edificações residenciais, somente comerciais.
Um fato que merece destaque foi a cobrança de passagens pelas empresas de transporte público em pleno dia de votação. A participação minoritária (22.574 de votos) se deve também a esse verdadeiro impedimento para um dia de domingo, quando a tarifa é integral para todos. Por isso, chamo a atenção para que as próximas consultas sejam aperfeiçoadas dando continuidade ao processo de participação política.
No jornal de domingo constava uma carta com os argumentos do "não" e outra com os do "sim".
Analisei os dois com a pressuposição da possibilidade de ambos teriam conteúdos verdadeiros desde seu ponto-de-vista e interesses distintos.
O primeiro, escrito por Paulo Guarnieri, fez um balanço ambiental, social e econômico da situação, privilegiando a incorporação de todos interesses envolvidos, inclusive os econômicos. O segundo, escrito por Filipe Wels, se deteve apenas a contradizer as informações do primeiro, acusando o adversário de "ideológico", "doutrinário" e "irracional". Seu apelo principal era o progresso da cidade! Ora, como nos ensina o filósofo Habermas, ao denunciar a lógica do debate hostil, "a fim de, em geral, poder verificar a enunciação de outra pessoa quanto à sua verdade, correção normativa e autenticidade, em primeiro lugar precisam ser aceitas precisamente estas pretensões de verdade, precisa ser aceita a racionalidade do oponente. O exame de suas enunciações pode, entretanto, ter um resultado negativo".
Um discurso ancorado na hostilidade estaria fadado a recusa democrática.
O nível de informação e princípios adotados pelos representantes do "não" demonstra que os valores e interesses puramente econômicos são estranhos aos princípios democráticos. Podemos retomar novamente ao filósofo Jürgen Habermas. A democracia deliberativa envolve além dos recursos dinheiro e poder, o terceiro recurso que é a solidariedade formada comunicativamente.
Após o resultado, um acesso de fúria e autoritarismo chegou a tal ponto que um jornalista da capital, defensor e ideólogo da posição, não derrotada, mas rechaçada, disse em seu blog que "Ecologistas xiitas fundamentalistas guascas vencem referendo em Porto Alegre". Logo em seguida, talvez por algum resto de equilíbrio, ou por crítica recebida, substituiu a mensagem por uma crítica precipitada ao pouco comparecimento às urnas. Digo que foi precipitada, pois não observou a informação referida acima sobre a cobrança de passagens.
A dicotomia política de esquerda e direita ainda nos diz muito, especialmente em torno do sistema político, tais como mídia, esfera pública e interessados da sociedade civil em geral.
Compartilho com Habermas uma confiança nos procedimentos democráticos e comunicativos para deter a colonização do mundo da vida pelo sistema econômico. Vitória da esfera pública e do melhor argumento!

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